BITCOINS: BUY AND HOLD

Uma reflexão sobre criptomoedas e o longo prazo.


Buy and Hold [comprar e manter] é uma estratégia para investimentos em ações no longo prazo. É a forma mais antiga e mais evidente de atuação no mercado acionário: ação é um título que representa uma parcela do capital social da empresa e os acionistas são, pois, sócios que possuem deveres e direitos perante a companhia, entre eles, o mais importante, o direito à participação nos lucros gerados pela atividade empresarial.

Quando se fala de Buy and Hold não se trata de comprar e manter a ação de qualquer companhia, mas daquelas que apresentem boas perspectivas de crescimento e distribuição de dividendos no longo prazo. Afinal, o lucro é o elemento essencial do investimento. Trata-se de analisar, portanto, o que se convencionou chamar de "fundamentos": resultados contábeis, participação no mercado, modelos de negócios, etc.

Contrapõe-se à estratégia Trader, que não se preocupa com os fundamentos da empresa, mas em identificar padrões de precificação do mercado para alcançar lucros em curto prazo, com compras e vendas em intervalos de semanas, dias ou mesmo minutos. Para o trader, via de regra, é possível obter lucro com qualquer cenário econômico, com o aumento ou queda do valor de uma ação e independentemente das perspectivas de longo prazo daquela companhia. Trabalha, assim, com elevados níveis de risco de perda ante a complexidade do mercado e dos players nele atuantes.

A estratégia Buy and Hold é, portanto, mais conservadora e mais fácil, embora a profundidade dos níveis de análise  possa variar consideravelmente. Seus pilares são a própria atividade empresarial de uma companhia e estão à disposição de todos, prescindindo de modelos matemáticos mais complexos para fundamentar a análise (não obstante, mais uma vez, ele possam ser aplicados em análises mais aprofundadas ou, o que não é essencial, para descobrir o melhor momento de compra).

Um exemplo: a AMBEV produz e distribui bebidas de forma eficiente. Há, então, uma utilidade na sua atividade, já que atende uma demanda das pessoas (beber). Se é razoável supor que as pessoas vão continuar comprando bebidas no futuro e que a empresa vai continuar mantendo seu modelo de negócios lucrativos, faz sentido que os papéis da AMBEV componham uma carteira Buy and Hold.

Espero não estar sendo repetitivo, mas esse ponto essencial: os papéis da AMBEV representam a participação no capital de uma empresa que oferece algo real e de óbvia utilidade, a produção e distribuição de bebidas. É por isso que as oscilações de curto prazo no valor de uma ação são menos importantes para um investidor holder, já que independentemente das flutuações para mais ou para menos, o preço girará sempre em torno daquela utilidade fornecida pela empresa.

Pois bem. Dito isso, como compatibilizar a estratégia Buy and Hold com o investimento em criptomoedas? Em uma palavra: impossível.

No início de sua popularização, o Bitcoin chegou a oferecer o esboço de uma promessa de utilidade futura: cumpriria as funções de uma moeda (meio de troca, reserva de valor, parâmetro de preços, etc).

A novidade prometia atender aos anseios de um certo anarco-capitalismo pouco refinado, já que, em tese, permitiria a realização de transações fora do alcance do radar do Estado. Mas a verdade é que essa promessa de fazer do Bitcoin uma moeda universal nunca esteve sequer próxima de se concretizar. Alguns motivos não demoraram a ficar claros, como a extrema volatilidade do ativo, tornando-o imprestável como meio de troca. Outros estavam evidentes desde o inicio, como a limitadíssima velocidade das transações ou sua utilidade restrita (a maior parte da humanidade não está a tão comprometida com o anarco-capitalismo ao ponto de dar preferência a um sistema que sempre fez brilhar os olhos do crime organizado internacional). Para além de uma aposta esperançosa, nada indicava uma maciça adesão ao Bitcoin.

Em outros termos, adaptando aqui a análise fundamentalista de empresas, o Bitcoin não tem bons fundamentos. Independente disso, seu preço subiu em um elevadíssima espiral especulativa impulsionada pelo comportamento de manada. Sempre foi, por isso, um tipo de investimento melhor gerido por um trader, que calcula a hora de entrar e de sair de acordo com a dinâmica dos preços.

Pessoalmente falando, sempre soube que o Bitcoin não era o tipo de produto financeiro que me interessava mas respeito que tem apetite pelos ganhos rápidos e pelo risco envolvido. Mas é verdade que tenho, sim, extrema repulsa pelos "gurus do Bitcoin". Esses atuaram como vigaristas: sempre souberam que o aumento do preço do Bitcoin era um mero movimento especulativo independente de qualquer utilidade intrínseca do sistema mas venderam a ideia de uma nova moeda universal que, como tal, alcançaria patamares cada vez maiores. Muita gente foi enganada, bastando lembrar que apenas no Brasil, uma periferia do capitalismo, estimou-se haver mais pessoas físicas comprando bitcoins do que investindo na Bolsa de Valores.

Muitos desses gurus fizeram milhões de dólares e sumiram. Ele sabiam que estavam lidando com um produto meramente especulativo, fizeram uma intensa (falsa) propaganda para atrair mais e mais compradores, elevando ainda mais os preços (em um movimento que muito tem em comum com as pirâmides financeiras) e venderam perto das máximas históricas.

O movimento Bitcoin agora sangra no que parece ser uma morte lenta e irremediável. Era possível que a bolha tivesse estourado antes ou que a as altas ainda durassem por vários anos (imagino que, não fosse o protecionismo crescente no comércio global, capitaneado pelo Trump, o Bitcoin ainda estivesse ganhando força), mas o evidente é que nunca houve fundamentos suficientes para fornecer um valor intrínseco ao Bitcoin.

Mesmo agora, com o surgimento de centenas de criptomoedas que corrigiriam os problemas do Bitcoin, o cenário não parece mais alentador. As outras moedas digitais não têm vida própria e a sua diversidade é, por si só, prejudicial: adivinhar qual delas pode vir a se tornar a moeda fraca universal (se isso ocorrer) é pouco mais do que uma aposta na loteria.

Dito isso tudo, é aterrorizante ler na finansfera que ainda há muita gente que, depois de amargar elevadíssimas perdas, define-se como "holder de criptomoedas". Ora, não existe nenhum fundamento das criptomoedas que permitam a adoção de uma estratégia de Buy and Hold análoga à das ações, não há lastro ou uma utilidade real do sistema que possam dar uma mínima ancoragem do preço. Não há fundamentos.

Nada há de intrinsecamente errado em especular com cenário de longo prazo. É possível que aqueles que têm posições em criptomoedas decidam mantê-las porque creem em um aumento do longo prazo, mas é bom ter em vista que esse produto não admite a estratégia Buy and Hold (análise fundamentalista, monitoramento e a espera de resultado no longo prazo), mas deve-se ser Trader e utilizar suas ferramentas: estudar a precificação do ativo ao longo do tempo para descobrir os momentos mais adequados de entrada e de saída, inclusive minimizando o prejuízo (stop loss). E espero que esse breve texto sirva para reflexão dos investidores de criptomoedas.

Comentários

  1. Eu para Analise Fundamentalista de Buy and Hold prefiro Ações e Fundos Imobiliários os motivos são simples, geram renda, pagam dividendos, aumentam suas empresas e seu patrimônio.

    No caso dos Bitcoin só para trader mesmo, mesmo assim só colocar um valor que possa perder, pois tem uma chance de grandíssimas quedas, assim como grandes lucros.

    Quem não entende, nem gosta de trade melhor, mesmo ficar de fora.

    Eu prefiro a Analise Fundamentalista de longo prazo. Por isso, gosto mais de Ações e Fundos Imobiliários.

    Abraço e bons investimentos.

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  2. Pra mim, as criptmoedas só serviram para provar a necessidade e importância de um órgão regulador, como os bancos centrais. Quando não há regulação, virá um caos total, como a criação de centenas de moedas, que não transmitem confiança e segurança, tão necessário nos dias atuais. Muita regulação engessa o mercado, nenhuma regulação vira bagunça e selvageria. Abraços

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  3. Eu entrei como Trade mesmo, mas me lasquei forte... investi 4.500 reais que foram pulverizados haha. Segue como aprendizado bem caro

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  4. Fala JP!

    Eu entrei como buy and hold mesmo, porém com uma quantia bem pouco e fui aportando aos poucos, mas quando vi que a barca iria afundar eu parei os aportes.

    Ainda está lá as criptomoedas, mas sei la, é algo muito novo, quem sabe com mudanças na economia global, inovação tecnológica, não aparece uma cripto com mais segurança e confiabilidade.

    Abraços e sucesso!

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  5. Gostei muito da sua análise bem feita assim é bom de se ler, mas discordo completamente e vou adicionar os meus pontos discussão.

    BTC já sangrou 90% no passado e renasceu das cinzas, quem teve paciência de BUY&HOLD se deu bem, os fundamentos do BTC são muito altos, é basicamente o anarcocapitalista contra o sistema! BTC torna os seus bens inpenhoráveis perante a justiça, seu patrimônio existe de forma anônima e as pessoas e não um governo, detêm o controle da moeda, o que por si só faz ela ter um caráter deflacionário (aumento do valor com o passar do tempo) ao invés de inflacionário (queda do valor ao passar do tempo) como as moedas fiduciárias atuais.

    Obviamente acredito que o que aconteceu com o valor do BTC no fim do ano passado foi uma bolha especulativa, mas isso nem de longe fere os fundamentos naturais das moedas digitais, que é separar o dinheiro do estado de forma análoga o que aconteceu com a separação do estado com a igreja.

    A revolução do dinheiro dá o poder para as nossas mãos, só falta a adoção em massa pelas pessoas.

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    1. Olá, anônimo, obrigado pela visita e pelo comentário!

      Eu compreendo, mas não consigo concordar com seus argumentos. Uma tréplica rápida.

      O fato de algumas pessoas terem se dado bem é irrelevante, acontece com qualquer esquema de pirâmide ou qualquer loteria. Poucas ganham, muitas perdem. Isso é da essência da especulação e, por si só, não faz as criptomoedas terem mais ou menos fundamentos.

      A questão da separação entre dinheiro e Estado exige uma análise mais profunda do que o espaço permite e mesmo do que está dentro dos meus conhecimentos. Mas, em resumo, acho que essa discussão deixa de lado que o Estado surgiu como, e sempre foi, o garantidor da propriedade privada. É claro que é possível que os particulares transacionem milhares de vezes sem a participação do Estado mas basta um inadimplemento para se socorrer ao Estado. O que fazer se o inquilino para de pagar aluguel? Mesmo o Estado gendarme exige algum grau de intervenção na economia para atuar.

      E não parece nada claro que exista base fática para uma mudança de tal magnitude. Até mesmo porque nesse início de século os Estados estão se fechando em suas fronteiras e ganhando poder, não o contrário. Hoje não existem fundamentos para o bitcoin. É uma aposta, uma especulação. Mesmo quem investe pensando no longo prazo deve ter em vista que a estratégia buy and hold não é aplicável nesse caso.

      Mesmo que eu esteja totalmente equivocado nessa análise macro, o fato é que as criptomoedas ainda não estão sendo usadas habitualmente em transações (e a volatilidade dos preços torna impossível que venham a ser em um futuro próximo). E, na verdade, se falta a "adoção em massa pelas pessoas", falta tudo. O papel-moeda que não é adotado em massa é só um pedaço de papel sem nenhum valor intrínseco. O mesmo vale para as criptomoedas. Acreditar que as pessoas vão adotá-la é, por ora, também uma mera aposta.

      Isso para não falar de um defeito grave específico do bitcoin, que é a baixa velocidade das transações e o assombroso custo de mineração. Isso já bastaria para torná-lo uma moeda ineficiente para adoção universal. E se outra vier a tomar o seu lugar, qual seria entre as centenas que surgiram no mercado? Mais uma vez, qualquer resposta é pouco mais do que uma aposta esperançosa.

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  6. Compreendo e respeito a opinião do texto e os comentários acima, mas na minha humilde opinião acredito que a tecnologia por trás do BTC a blockchain veio para ficar e o Buy and Hold pode sim ser usado para esse mercado, entretanto com algumas ressalvas, eu considero esse mercado como uma renda ultra variável e sem alocação de riscos e/ou metas muito provavelmente pode-se haver perdas muito altas. Grandes players estão comprando agora logo o mercado pode andar de lado, subir ou ate cair mais no curto prazo, logo dar uma indicação da direção seria apenas um tiro no escuro. Vendo apenas como um investimento creio que ainda pode ser valido, algumas variantes como STOs estão vindo com possibilidade de lastro em ativos físico, podendo abrir caminho para ganhos semelhantes a ações em alguns casos. Mas é um mercado muito novo e tem que se atualizar e verificar bem mais variáveis do que no mercado de renda variável comum.
    Sobre ainda o BTC alguns dizem que vai para 1, 100, 1k ou até 300k USD, mas especular sobre isso seria muito leviano. (Para os que gostam de uma teoria da conspiração financeira segue o link: https://www.youtube.com/watch?v=Wy7c8FrTrws). Sigo comprado em uma pequena posição de BTC além de altcoins e olhando outros possíveis ativos semelhantes, respeitando a alocação máxima de carteira de 5-8% (o resto segue com feijão com arroz nos FIIs, ações e RF), mas esse tipo de investimento “especulativo” não é para todos, logo se vai tirar seu sono não faz sentido entrar. Como sou atualmente jovem e não tenho dependentes esse tipo de “aposta” onde se tem perdas controláveis (99%) e ganhos indefinidos faz sentido, mas para outra pessoa em outra situação pode não fazer esse mesmo sentido. A titulo de exemplo (apesar de ser fácil quando olhamos pelo retrovisor) tem-se os tokens da corretora Binance que mesmo na atual baixa performou umas 30x seu valor de agosto/17 a dezembro/18 (hoje) (esse exemplo não é recomendação de compra (contudo cabe salientar quem comprou no pico do final do ano passado esta virtualmente no prejuízo agora)).
    Saudações, ON.

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  7. Olá Jardineiro,

    Também acho que Cryptocurrencies são meios estritamente especulativos. Não falo mal do meio nem acho que são bolhas como a maior parte dos "analistas" prega, mas acredito que toda essa confusão e discussão vem de um desentendimento comum do conceito.

    Bitcoin como um meio libertário, decentralizado de se fazer negócios e transações financeiras sem intermédios? Ok.

    Blockchain como uma maneira P2P de se registrar dados imune à censura dos meios centralizados? Ótimo.

    Bitcoin como veículo de investimento fundamentalista? Nope.

    Infelizmente, a maioria simplesmente olhou a valorização e volatilidade do Bitcoin e caiu dentro achando que era possível enriquecer lá. Triste é trabalhar com segurança da informação hoje, e ver como o prefixo cripto (de criptoGRAFIA) perdeu todo o seu sentido original.

    Ótimo post! Continue assim!

    Abraços e seguimos em frente!

    Pinguim Investidor
    https://pinguiminvestidor.home.blog

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